É possível balizar o estudo de biomateriais através de uma definição bastante geral porém coerente de Park e Lakes [1], segundo a qual: “Um biomaterial pode ser definido como qualquer material usado na fabricação de dispositivos para substituir uma parte ou função do corpo de forma segura, confiável, econômica e fisiologicamente aceitável”.

Para desempenhar de maneira satisfatória a função de substituir, aumentar ou suportar uma estrutura o implante deve mimetizar ou compatibilizar com as características do tecido. A literatura reporta e existência de diferentes tipos de enxertos ósseos utilizados em implantes: autólogos (provém do mesmo indivíduo); homólogo (de um indivíduo de mesma espécie do receptor) e heterólogo (quando a espécie do doador e do receptor não coincidem – bovinos, por exemplo) [2].

Enxertos autólogos apresentam certos inconvenientes como: intervenção em uma área sadia do organismo do paciente; morbidade da área doadora; maior período de convalescença; susceptibilidade a infecções; e reabsorção progressiva e constante [3]. Desta forma, implantes em biomateriais sintéticos como cerâmicas e polímeros vêem sendo amplamente desenvolvidos e aplicados. Segundo Pereira, Buono e Zavaglia [4], a demanda de biomateriais cresce de 5 a 15% a cada ano.

Classificação dos biomateriais

De acordo com Bath [5] e Santos [6], os biomateriais podem ser classificados em quatro classes de acordo com a compatibilidade que apresentam com os tecidos adjacentes:

Biotolerante: 
Implantes separados do osso adjacente por uma camada de tecido mole ao longo da interface. Não há contato na osteogênese. A camada é induzida pela liberação por parte do implante de monômeros, íons e/ou produtos de corrosão. Praticamente todos os polímeros sintéticos e a grande maioria dos metais se enquadram nesta categoria.

Bioinerte: 
Implantes em contato direto com o tecido ósseo, ocorrendo participação na osteogênese. No entanto, não ocorre nenhuma reação química entre o tecido e o implante. Não há, ao menos em quantidade detectável pelas células, liberação de nenhum componente. Exemplos de biomateriais bioinertes são: alumina, zircônia, titânio, tântalo, nióbio e carbono.

Bioativo: Ocorre interação entre o implante e o tecido ósseo, interferindo diretamente na osteogênese. Por similaridade química a parte mineral do tecido ósseo se liga ao implante promovendo a osteocondução. Os principais materiais desta classe são: Ca-fosfato, vitro-cerâmicas e hidroxiapatita.

Bioreabsorvíveis: Materiais que, após certo período de tempo em contato com os tecidos, acabam sendo degradados, solubilizados ou fagocitados pelo organismo. São interessantes em aplicações clínicas onde seja desaconselhável a reintervenção para retirada do implante. Os representantes desta classe são o fosfato tricálcico (TCP) e o PLLA (poli-L-ácido láctico).

Biomateriais metálicos

Algumas vezes elementos metálicos em suas formas de ocorrência naturais e em pequena quantidade são tolerados pelo organismo, como é o caso do ferro (Fe) nas células vermelhas do sangue, do cobalto (Co) na síntese de vitamina B12 [7] e nas ligações cruzadas da elastina presente na artéria aorta [1]. No entanto, em grande quantidade a maioria dos metais não é tolerada pelo organismo.

Alguns metais são usados como substitutos de tecidos duros, como por exemplo em substituições totais de quadril e joelho, placas e parafusos para fixação de fraturas, dispositivos de fixação de coluna e implantes dentários devido a suas excelentes  propriedades mecânicas e de resistência à corrosão [7]. Segundo Barbucci [8], um material metálico utilizado na construção de próteses ortopédicas, dispositivos de osteossíntese ou implantes dentários deve possuir as seguintes características:

  • Limite de resistência da ordem de, ou maior que 800 MPa
  • Resistência à corrosão, geral e localizada.
  • Biocompatibilidade

Biocompatibilidade não é um efeito ou fenômeno único. Refere-se a uma gama de processos envolvendo mecanismos de interação diferentes mas interdependentes entre material e tecido. É a habilidade do material em desempenhar uma função específica no organismo sem que provoque efeitos tóxicos ou injuriosos aos sistemas biológicos [10].

Estas características são tão restritivas que apenas uma pequena parcela das classes de materiais metálicos pode ser usada com sucesso.
A primeira liga metálica desenvolvida especificamente para uso no corpo humano foi o “aço vanádio”, utilizado para fabricação de placas e parafusos para fraturas ósseas [1]. Dentre os biomateriais metálicos, os aços inoxidáveis austeníticos do tipo 316 LVM, as ligas Co-Cr-Mo, Co-Ni-Cr-Mo, titânio puro e Ti-6Al-4V são os mais utilizados [9]. Alguns exemplos são apresentados na Figura 1.

Serão abordadas mais especificamente neste trabalho as ligas de Co e Ti, cuja aplicação em prototipagem rápida DMLS na área médica é mais expressiva.

Ligas de cobalto

As ligas de cobalto foram originalmente propostas para implantes cirúrgicos a mais de 70 anos [11]. Há basicamente dois tipos de ligas de Co para aplicação médica. A liga Co-Cr-Mo para recobrimento e as ligas trabalhadas Co-Ni-Cr-Mo [7]. A American Society for Testing and Materials (ASTM) lista quatro ligas de Co que são recomendadas para aplicação em implantes cirúrgicos: liga de recobrimento Co-Cr-Mo (F75); e as ligas trabalhadas Co-Cr-W-Ni (F90), Co-Ni-Cr-Mo (F562) e Co-Cr-Mo (F1537).

Figura 2 - à esquerda - MoP e à direita - MoM | Fonte DePuy® | Johnsson & Johnsson Co.

Figura 2 – à esquerda – MoP e à direita – MoM | Fonte DePuy® | Johnsson & Johnsson Co.

Estas ligas formam uma classe de materiais altamente resistentes a corrosão em meio fisiológico e ao desgaste, superando as ligas de aço inoxidável [12]. Além disto, seu limite de resistência e resistência à fadiga superiores possibilitam sua aplicação onde se requer longa vida em serviço sem a ocorrência de fraturas ou stress/fadiga [1]. Muitas propriedades são originárias da natureza cristalográfica do cobalto, do efeito de reforço do Cr e Mo e da formação de carbetos de alta dureza [13].

Características tão especiais têm levado à utilização destas ligas em diversas aplicações médicas, em especial aquelas que visam a substituir superfícies articulares. Suas propriedades de resistência ao desgaste, à corrosão e baixo coeficiente de atrito são decisivas nesta escolha.

Um exemplo de aplicação é a artroplastia total de quadril (THA – Total Hip Artroplasty, na sigla em inglês). Os sistemas mais atuais consistem em uma haste femoral conectada a uma cabeça modular sujeita à articulação com o componente acetabular [14]. Este sistema é conhecido como MoM (metal on metal) – em referência à superfície de contato – e apresenta-se superior aos sistemas MoP (metal on polyethylene) até então utilizados em relação à taxa volumétrica de desgaste e outros parâmetros, como relatado em [15]. A Figura 2 mostra um exemplo dos sistemas MoM e MoP para THA.

Figura 3 - Prótese temporomandibular inferior, em liga de Co e superior em polímetro | Fonte: Biomet®

Figura 3 – Prótese temporomandibular inferior, em liga de Co e superior em polímetro | Fonte: Biomet®

Outro exemplo de aplicação das ligas de Co, à qual este trabalho se relaciona de maneira direta consiste na reconstrução total da articulação temporomandibular. Este tipo de prótese, conhecida como prótese de Christensen encontra-se em uso por mais de 30 anos e caracteriza-se pela promoção de uma reconstrução estável, confiável e previsível, proporcionando redução do nível de dor, melhora na funcionalidade e aumento do grau de movimentação [16]. A Figura 3  exemplifica uma prótese temporomandibular.

 

Ligas de titânio

Descoberto em 1791 por William Gregor, mineralogista britânico [17], o titânio – e mais recentemente, suas ligas – têm sido usado por décadas na fixação de fraturas e reconstrução de articulações pois preenche os requisitos necessários às aplicações biomédicas, como: resistência à corrosão, biocompatibilidade, bioadesão (indução do crescimento ósseo), módulo de elasticidade (quanto mais próximo ao do osso humano – 10 a 30 GPa –, melhor), resistência à fadiga e boa processabilidade [18], [19].

O titânio apresenta uma estrutura cristalina hexagonal compacta (hcp – hexagonal closed packed) referente à fase alfa, que pode sofrer uma modificação alotrópica a 881 ºC para a estrutura cúbica de corpo centrado (bcc – body centered cubic) conhecida como fase beta. A manipulação destas características cristalográficas por adição de ligantes e processos termomecânicos permite a obtenção de ligas com as mais variadas propriedades [20].

Figura 4 - Placas para fixação de fraturas crânio-maxilofaciais. Fonte: Synthes®

Figura 4 – Placas para fixação de fraturas crânio-maxilofaciais. Fonte: Synthes®

As classes de titânio que inicialmente foram introduzidos como biomateriais foram o ASTM F67 (titânio comercialmente puro nos graus 1, 2, 3 e 4), ASTM F136 (liga Ti-6Al-4V Extra Low Intersticial) e ASTM F1472 (liga Ti-6Al-4V padrão) [21]. Nestes materiais, alguns elementos de liga estabilizam a fase alfa enquanto outros estabilizam a fase beta. Pode-se estabilizar a fase alfa incluindo alumínio, estanho e zircônio, enquanto fase beta pode ser estabilizada por vanádio, molibdênio, nióbio, cromo, ferro e manganês [13]. Nota-se, portanto, que a liga ASTM F136 é um exemplo de liga alfa/beta estabilizada.

Parte da resistência à corrosão observada no titânio e suas ligas se deve à formação de uma camada de óxido passivo constituída primariamente de TiO2 que adere à superfície do metal e o protege, além de ser em grande parte responsável pela biocompatibilidade do material [18]. Esta camada pode ser obtida por oxidação anódica em eletrólito ácido acético e, quando avaliada a presença de titânio em tecido adjacente ao implante, esta se mostra substancialmente menor nos implantes anodizados em comparação àqueles sem anodização da superfície [22], [23].

Traumas severos na estrutura facial necessitam de um grande número de placas e parafusos, e os implantes de titânio são especialmente indicados, [9] em função das propriedades citadas nesta revisão. Placas e parafusos para a região crânio-maxilofacial existem em diversas configurações para que o médico adéqüe o sistema à anatomia do paciente. A Figura 4 é um exemplo de aplicação do titânio em fixação de fraturas crânio-maxilofaciais.

 

Figura 5 - Haste intramedular tibial em TI (a); Pré-operatório de fratura distal tibial (b) e Pós-operatório (c).

Figura 5 – Haste intramedular tibial em TI (a); Pré-operatório de fratura distal tibial (b) e Pós-operatório (c).

Outra aplicação que demonstra a versatilidade do material se verifica nas hastes intramedulares para fratura exposta e fechada de tíbia, [24] onde o implante (Figura 5) é indicado para fraturas de ossos de maior dimensão e sujeito a esforços mecânicos maiores (tíbia).

 

Biomateriais Cerâmicos

O desenvolvimento de materiais cerâmicos para aplicações biomédicas concentra-se principalmente nas áreas de ortopedia e odontologia [25]. Constitui uma classe de materiais que contempla diversas características dos biomateriais. Possui representantes das classes dos bioinertes, bioreabsorvíveis, bioativos e porosos para crescimento de tecidos [26].

O potencial das cerâmicas como biomateriais advêm de sua similaridade com o meio fisiológico, devido a sua constituição básica de íons que são também encontrados rotineiramente no meio fisiológico (cálcio, potássio, magnésio, sódio etc.) e outros cuja toxidade é bastante limitada (zircônio e titânio) [27].

As cerâmicas bioinertes encontram maior representatividade nos compostos de alumina (Al2O3), zircônia (ZrO2) e zircônia estabilizada com óxido de ítrio (ZrO2(Y2O3)). Sua capacidade de não reagir com o tecido adjacente, resistência à corrosão, grande resistência ao desgaste e alta resistência mecânica são características indispensáveis na sua utilização como superfícies articulares sujeitas a cargas e fricção [26], [28].

No cerne das cerâmicas bioativas e bioreabsorvíveis, encontram-se compostos como a hidroxiapatita (HA), os fosfatos de cálcio, especialmente o β-tricalcio-fosfato (β-TCP) além dos biovidros e vitro-cerâmicas, cuja composição compreende uma extensa gama de óxidos (SiO2, P2O5, CaO, CaF2, Na2O, Al2O3, Ta2O5 e TiO2, entre outros) [28].

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