Toque real
Há dez anos o dinamarquês Dennis Aabo Sorensen, 36 anos, sofreu um acidente que levou à amputação de sua mão esquerda. Depois de uma década atormentado pela impressão fantasma do membro, Sorensen se torna o primeiro humano a recuperar a sensação de toque em tempo real por meio do implante de uma mão biônica ligada diretamente a seus nervos.
O feito, divulgado hoje na Science Translational Medicine, é resultado de anos de estudos de pesquisadores italianos e dinamarqueses liderados pelo engenheiro biomédico Silvestro Micera, da Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça. Em 2009, a equipe de Micera já havia feito um experimento bem-sucedido com um paciente amputado que conseguiu mover uma prótese temporariamente ligada ao nervo do braço. Mas, nessa ocasião, a prótese não chegou a ser fixada ao corpo do paciente e também não proporcionava a resposta sensorial de tato.
Micera: “O implante feito em Sorensen é o primeiro do mundo a oferecer a sensação de tato”
Micera: “O implante feito em Sorensen é o primeiro do mundo a oferecer a sensação de tato”
“O implante feito em Sorensen é o primeiro do mundo a oferecer a sensação de tato”, diz Micera, que no ano passado já havia anunciado com exclusividade para CH On-lineo início dos testes. “Essa informação sensorial é muito importante para que um amputado consiga controlar melhor a sua prótese. Reconhecer as propriedades de um objeto, o ajuda a dosar a força empregada e permite melhor qualidade de vida.”
A mão biônica usada no experimento, desenvolvida por pesquisadores da Universidade Freiburg (Alemanha), possui sensores táteis nos dedos. A informação de toque captada por esses sensores é transformada em impulsos elétricos que são enviados a quatro eletrodos inseridos cirurgicamente nos nervos mediano e ulnar do braço do paciente.
Os eletrodos servem de ponte de comunicação entre a prótese e o cérebro. Eles tanto enviam à mão biônica os sinais neurais relacionados ao movimento da prótese, quanto captam a informação dos sensores táteis e as transmitem ao cérebro via nervos na forma de impulsos elétricos.
Oportunidade única
Sorensen recebeu o implante da prótese em fevereiro do ano passado. Dezenove dias antes de ter a prótese conectada ao seu braço, os eletrodos foram inseridos em seus nervos no Hospital Gemelli, na Itália. O neurologista Paolo Maria Rossini, também envolvido no estudo, conta à CH On-line que Sorensen foi escolhido entre vários candidatos.
“Decidimos testar a prótese nele por várias razões”, diz Rossini. “Foi importante o fato de ele ter uma amputação com ponta uniforme e que não danificou os nervos, além de ser uma pessoa com estabilidade física e emocional para passar por duas cirurgias e testes que duraram semanas, longe de sua família e amigos.”
Depois do implante, Sorensen passou por uma série de mais de 700 testes que duraram cerca de um mês. Sua principal tarefa era segurar objetos e reconhecer sua forma e rigidez, usando uma venda nos olhos e tampões no ouvido, para garantir que recebia informações apenas pela mão biônica. Para ter certeza de que as sensações eram reais e não causadas pelo fenômeno do membro fantasma, os pesquisadores desligaram os eletrodos durante alguns testes sem aviso.
“A resposta sensorial era incrível”, conta Sorensen. “Eu pude sentir coisas que não sentia há anos. Ao segurar um objeto, consegui sentir se ele era macio ou duro, redondo ou quadrado.”
A percepção da rigidez do objeto era dada pela tensão dos tendões artificiais que controlam a prótese. Conforme essa tensão variava, mudava também a carga do impulso elétrico enviado aos nervos.
Próximos passos
Os pesquisadores pretendem agora realizar testes clínicos mais longos e com mais pessoas. Estudos anteriores com camundongos mostraram que os eletrodos implantados no nervo são duráveis e até agora funcionaram por seis anos sem problemas.
Os eletrodos de Sorensen, no entanto, tiveram que ser removidos devido às normas de testes clínicos vigentes na União Europeia, que não permitem que o paciente fique mais que 30 dias com um implante ainda não aprovado para uso.
Micera diz que seu próximo desafio será desenvolver próteses mais elaboradas, capazes de fazer sentir textura e temperatura. “Quanto mais sensores usarmos na prótese, mais informações podem ser passadas ao usuário”, comenta. “Nossa ideia é usar mais sensores nos dedos e também na palma da mão.”
O pesquisador ressalta, no entanto, que ainda são necessários alguns ajustes até que a prótese atinja uma configuração que possa ser usada no dia a dia. Uma das mudanças necessárias é inserir dentro da prótese o equipamento que gera os impulsos elétricos – hoje ainda fica do lado de fora, ligado por fios. Pretende-se melhorar também o sistema de acoplamento da prótese ao corpo.
“Ainda precisamos de mais avanços, mas acredito que estamos abrindo caminho para um futuro de próteses cada vez melhores”, conclui Micera.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line
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