Sob medida para uma vida melhor

A reunião do conhecimento especializado de ponta em áreas diversas com equipamentos avançados no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Biofabricação (Biofabris), na Unicamp, abriu nova perspectiva para a reparação do corpo humano no Brasil. Uma técnica inédita desenvolvida na instituição possibilitou resgate a três pacientes. Marcelo Magno, de 28 anos, é um deles: “Agora, é como se eu tivesse o crânio de volta”, comenta o rapaz, ao explicar como se sente após dois meses da cirurgia para a colocação da prótese que corrigiu a deformidade de sua cabeça.

Em um acidente de moto numa tarde de sábado de 2011, o técnico em prótese dentária sofreu ferimentos graves, entre os quais grande perda óssea do lado direito do crânio. Depois da luta inicial pela vida, passou a enfrentar a dura batalha pela recuperação de uma aparência saudável de sua autoestima. Chegou a receber uma prótese comum, mas ela não se adaptou bem ao tamanho da deformidade.

Baseada no Biofabris,
a pesquisa
brasileira para
o desenvolvimento de
próteses humanas avança

Até que foi selecionado para a etapa de estudos clínicos do projeto do instituto que abrange a criação de próteses customizadas, ou seja, com as características precisas de cada paciente e materiais específicos para a melhor osteointegração (integração da prótese com o osso do paciente). “Há momentos em que esqueço que uso a prótese”, resume Marcelo, em busca de retratar a mudança que a nova alternativa trouxe para o seu dia a dia.

Um Vietnã por ano – Vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Biofabris foi fundado em 2008, com pesquisadores de quatro unidades da Unicamp, Faculdade de Engenharia Química (FEQ), Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e o Instituto de Física (IF), além de outras universidades e institutos de pesquisa de diferentes áreas. A finalidade é a promoção do trabalho integrado e multidisciplinar em vários projetos voltados à reparação do corpo humano, tendo como carro-chefe as próteses.

“Nossa proposta é desenvolver a tecnologia da biofabricação, que consiste na aplicação de técnicas de engenharia e biomateriais para a obtenção de substitutos tridimensionais biológicos para tecidos vivos ou órgãos humanos”, explica o coordenador do instituto, Rubens Maciel Filho, professor da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp. Segundo ele, o desenvolvimento de próteses é imperativo para a promoção do bem-estar e da qualidade de vida no Brasil. “Só na cidade de São Paulo, há o equivalente a uma Guerra do Vietnã por ano de pessoas vitimadas em acidentes que precisam de próteses. A única alternativa, até então, para a maioria dos casos, era a importação de um material caríssimo. Hoje a gente tem condições de fazer uma prótese de melhor qualidade, customizada, e com preço muito mais acessível”, comemora.

Disponível para o SUS – A linha de pesquisa do Biofabris que se encontra em fase mais adiantada, a da fabricação de próteses de titânio para a correção de deformidades cranianas, tem-se mostrado cada vez mais promissora. A atual etapa é a última para a validação da técnica e abrange os testes clínicos, ou seja, as cirurgias plásticas para a colocação das peças. A primeira foi realizada no ano passado. Magno, o segundo a receber a prótese, recupera-se do procedimento realizado há dois meses.

De acordo com a previsão dos pesquisadores, até o fim do ano mais oito pessoas serão beneficiadas. Ao todo, 15 pacientes foram pré-escolhidos para a etapa de estudos clínicos, aprovada pelo Comitê de Ética da FCM, e que envolve, além da cirurgia, o acompanhamento durante no mínimo um ano para a avaliação final do processo.

“Todas as etapas são importantes, mas esta é fundamental para que tenhamos uma avaliação do que foi feito, desde a escolha do material até as técnicas de fabricação e cirurgia”, informa Maciel. Vencida essa fase, a intenção é de que o produto fique disponível no SUS (Sistema Único de Saúde), com um detalhe: a técnica criada para as próteses craniofaciais poderá ser replicada para qualquer osso do corpo humano, com os materiais adequados a cada caso. “Dessa forma, disporemos de próteses de cinco a dez vezes mais baratas do que as disponíveis, com a vantagem, ainda, de serem planejadas de acordo com a necessidade do paciente”, diz o pesquisador.

Para ter ideia do que isso representa, pela técnica convencional e mais barata de reparação de deformidades cranianas, a prótese tem de ser modelada a mão pelo médico durante a cirurgia, aumentando o tempo do procedimento, o risco de eventuais complicações e resultando numa qualidade estética bastante inferior.

Polímetros de Açúcar e Açaí

As pesquisas do Biofabris abrangem, além das técnicas para a produção de próteses e implantes, a busca por novos materiais, de origem natural ou sintética, que possam ser usados para a substituição de tecido, órgão ou função do corpo (por tempo limitado ou permanentemente), e o desenvolvimento de máquinas para a produção das peças.

“No caso das próteses cranianas, usamos o titânio, por ser um elemento metálico leve, mas ao mesmo tempo bastante resistente, o que é adequado para essa parte do corpo”, informa Maciel. O trabalho com esse material no laboratório também resultou em estudos para a produção do titânio em pó, a forma adequada para o uso em próteses. “Isso se chama descer a cadeia. Em cada dificuldade encontrada, desenvolvemos soluções brasileiras para
todas as etapas do processo”, conta.

Trabalhos com polímeros derivados da fermentação do açúcar, do açaí e até da laranja também estão em andamento no instituto. As investigações visam ao desenvolvimento de parafusos para a reparação de ossos, de prótese  para a cartilagem da orelha e de traqueia. Nesses casos, o objetivo é a criação de estruturas temporárias, que possibilitem a reabilitação do próprio tecido do paciente e sejam absorvidas pelo organismo depois. “Para isso, pesquisamos materiais variados, em que a demora para a absorção varie conforme a necessidade”, diz o coordenador.

Desde a sua criação, o instituto recebeu R$ 4,5 milhões de investimentos por meio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o que garantiu a obtenção dos equipamentos de última geração, como impressora 3D e outros, e a consolidação da instituição, considerada única. “Não conheço outro grupo no mundo voltado ao mesmo objetivo, com interação tão forte e tão bem equipado quanto o nosso”, conclui Maciel.

Simone de Marco
Da Agência Imprensa Oficial,
com informações do Jornal da Unicamp

Fonte: Diário Oficial Poder Executivo – Seção I

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